2 OUTUBRO'21 A 10 ABRIL'22
Para vários povos tradicionais a imaginação está associada à vida mítica e organiza-se em torno de arquétipos e imagens partilhadas de forma coletiva. A arte destes povos é ativa, participante e comunitária. Os objetos e as decorações que criam não são representações distanciadas do mundo, mas possuem uma “agência” própria e influem diretamente nas decisões dos grupos. Como refere o pensador indígena brasileiro Ailton Krenak, chamando a atenção para outras realidades e possibilidades da vida imaginativa, “Eu não interpreto sonhos, eu recebo sonhos”".
A hegemonia do projeto moderno ocidental a que chamamos “globalização” veio, não obstante, ameaçar a polifonia imaginativa de diversas sociedades. Edificou-se um bloco monolítico de representações do mundo, e o museu, enquanto seu instrumento civilizador, estabeleceu um corte profundo entre os objetos e os seus contextos, entre os sujeitos e as suas vivências. Fundou um espaço codificado de ficções sobre nós e os outros, submetendo a imaginação ao fantasma da “vantagem”.
“Ficcionar o museu” é o mote do presente ciclo de exposições do CIAJG, o qual encontra um contexto próprio na articulação com o trabalho e as coleções de José de Guimarães. É um convite a refletir sobre os usos e potências da imaginação através do trabalho de vários/as artistas. Ficcionar o museu não como oposição ao real, mas como estratégia realista.
A artista Priscila Fernandes apresenta um importante corpo de obras sobre as relações entre a arte, o trabalho e o lazer, numa reflexão que se revela urgente diante da acelerada algoritmização da vida. Virgínia Mota e Ana Vaz, por sua vez, complexificam o tema da imaginação, demarcando um território claro de poética, crítica e consciência. Na “Sala das Máscaras”, as esculturas africanas ladeiam as de Pedro Henriques potenciando sentidos inusitados.
Neste ciclo damos continuidade a “Pasado”, do artista Rodrigo Hernández, e à coletiva Complexo Colosso, organizada pelo curador Ángel Calvo Ulloa, contando esta com novas participações que ampliam as especulações sobre o “homem de pedra”: Carme Nogueira, Diego Vites, a dupla Iratxe Jaio & Klaas van Gorkum e o coletivo Pizz Buin. Num processo de contínua remontagem, várias salas do CIAJG consubstanciam novos prismas sobre as coleções: a arte africana das “maternidades” e o desenho na produção artística de José de Guimarães.
Marta Mestre
Curadora Geral do CIAJG
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